edmilsonPSOL

Cópia de image00034

A PEC das Trabalhadoras Domésticas

Por Rafaela Rodrigues

Há um tempo assisti a um filme o qual me fez refletir muito e me deu uma vontade enorme de escrever sobre ele para dizer pra todo mundo que tinham que assistir! O filme é Histórias Cruzadas (The Help) e ele trata vida das empregadas domésticas negras, nos anos 60, no estado de Mississipi – um dos estados mais racistas dos EUA. O filme para qualquer feminista, anti-racista, trará reflexões para os dias atuais sobre as condições que ainda vivem as empregadas domésticas. Uma das questões tratadas pelo filme é a “nova moda” da classe média americana da criação do banheiro exclusivo das domésticas, com justificativas claramente, racistas e classistas (como são até hoje!).

Por sorte, não escrevi o texto na época. Com a aprovação da PEC das empregadas domésticas, vários argumentos utilizados pelas “patroas” do filme, se tornaram tão atuais e recorrentes para justificar o discurso contra a PEC. Isso não é à toa, as empregadas domésticas são uma herança do passado escravocrata, que ainda possui impactos fortes. Afinal quem nunca conheceu/ouviu a história da menina que sai do interior para cidade e “cuida” dos afazeres domésticos em troca de comida e teto?

A teoria da divisão sexual do trabalho, estrutura o mercado de trabalho através do sexo e tem dois princípios fundantes, a separação e a hierarquia. O princípio da separação determina o que é “trabalho de mulher” e o que é “trabalho de homem”. As mulheres são responsáveis, pelo que é chamado de trabalho reprodutivo, é o trabalho invisível, feito dentro de casa, longe da esfera pública. Para os homens é destinado todo o resto, o chamado trabalho produtivo, o trabalho remunerado feito dentro da esfera pública. Já o princípio da hierarquia valoriza mais o trabalho considerado do homem do que o trabalho considerado de mulher, portanto, trabalhos que necessitam de cuidado, paciência, como enfermeira, professora infantil, são considerados trabalhos femininos e são mais desvalorizados na sociedade, assim como o trabalho doméstico.
Há uma imensidade de trabalho que é realizado pelas mulheres de forma invisível e gratuita ou mal remunerado, esse trabalho é feito não para elas, mas para os outros, muitas vezes em nome do amor, da “natureza”, e do “dever materno”. Da mesma forma que esse trabalho doméstico é invisível, as mulheres e trabalhadoras que o exercem também são. Em uma pesquisa de 2011 o IBGE mostrou que 15% das mulheres inseridas no mercado de trabalho estão em vagas de serviço doméstico, contra 0,9% dos homens nesta mesma função. Praticamente a totalidade dessa função é exercida por mulheres. Dessas, 31,4% recebem até um salário mínimo.

A PEC das trabalhadoras domésticas vem equiparar as domésticas às trabalhadoras e garantir seus direitos, que foram negados ao longo da trajetória de afirmação de direitos no Brasil. E afinal, quais são esses direitos? Estes são: Indenização em demissões sem justa causa, FGTS, seguro-desemprego, salário-família, adicional noturno, auxílio-creche, seguro contra acidente de trabalho, proteção ao salário, jornada diária de 8 horas e 44 horas semanais, hora extra, reconhecimento de acordo e convenções coletivas, proibição de discriminação de salário, proibição de trabalho noturno, insalubre ou perigoso à menores de 16 anos, proibição de discriminação contra deficientes, observância de normas de higiene, saúde e segurança no trabalho, UFA!

Sem nenhuma dúvida, a PEC das empregadas domésticas é uma grande vitória na vida das mulheres! Não à toa afirmamos que além do trabalho invisível, as trabalhadoras domésticas eram até hoje invisíveis ao Estado. Direitos conquistados desde a CLT a todos os trabalhadores, eram (e ainda são!) negados às trabalhadoras domésticas, sem nenhuma justificativa, a não ser a opressão, o patriarcado, a divisão sexual do trabalho e ao machismo.
A PEC significa mais do que a simples reafirmação de direitos. A PEC das empregadas domésticas é um passo decisivo na desmercantilização da vida das mulheres. É a refirmação do publico sobre uma lógica desigual de divisão do mundo do trabalho. É a possibilidade de se alicerçar no Estado e em suas estruturas, justiça trabalhista, defensoria pública, ministério público, para garantir justiça as mulheres.

O Mercado de trabalho das mulheres no Brasil está em constante mudanças, as mulheres já estão em basicamente todas as áreas de trabalho (ver tabela)[1], em maior ou em menor número, e com o aumento da escolaridade e maior oferta de emprego, as mulheres estão cada vez mais deixando o trabalho doméstico para buscar outra ocupação (nada mais natural, pois ninguém quer ter menos direitos e seu trabalho ser considerado invisível) ao mesmo tempo, o rendimento da categoria é o que mais aumenta. Com a diminuição da oferta e valorização da categoria, o que já ocorre hoje é um numero grande de famílias que optam por não ter empregada doméstica. Porém, o trabalho doméstico continua existindo, e quem o fará dentro das famílias?
post-rafa

É a partir dessa pergunta, que inicio a ultima reflexão. Ainda temos muito trabalho pela frente, o trabalho doméstico ainda é considerado exclusivamente feminino. O trabalho realizado no dia-dia não é visto como trabalho da família, mas sim, como trabalho da(s) mulher (es). A PEC das domésticas abre espaço também para questionar a responsabilização das mulheres diante das tarefas privadas. Com essa mudança de paradigma que ocorre nas famílias brasileiras é imprescindível responsabilizar os homens na tarefa do trabalho doméstico. O modelo de conciliação imposto às mulheres hoje, onde elas são as únicas que conciliam o trabalho remunerado com o trabalho doméstico é injusto e opressor! É preciso superar a lógica da divisão sexual do trabalho e garantir a autonomia da mulher! A PEC das domésticas é um passo decisivo na garantia dos direitos e na disputa hegemônica sobre essa questão. Continuamos na luta!

[1] http://teen.ibge.gov.br/images/pdf/mulher/insercao_feminina_trabalho_pnad.pdf

*Rafaela Rodrigues é militante da MMM no Rio de Janeiro.