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O futuro da metrópole: pactos territoriais versus pactos setoriais

Por Maria Adélia José Francisco A. de Souza
Professora Titular de Geografia Humana da USP

A reunião de renomados arquitetos e urbanistas de todo mundo, inclusive brasileiros, que aconteceu na metrópole paulista sugere uma reflexão sobre o futuro de São Paulo e, por conseguinte, das grandes metrópoles mundiais.

Sem dúvida, essa é a temática de qualquer pauta para enfrentar o século XXI, dada a sua complexidade e o imenso processo de crescimento e empobrecimento das populações que vivem nas grandes cidades.

Em São Paulo, a situação é gravíssima. Há um cinturão de pobreza abraçando a metrópole e que avança em direção às áreas mais bem servidas e cuidadas.

Falar de dimensões assustadoras do crescimento metropolitano não é novidade. Há pelo menos meio século geógrafos e urbanistas insistem nessa tecla. O problema deixou de ser apenas quantitativo e passou a ser qualitativo. Deixou de ser problema técnico e de gestão e passou a ser um problema político, evidentemente ajustado às características deste período histórico equivocadamente denominado de globalização.
Num tempo em que as tecnologias da informação permitem a empiricização do planeta, em que o funcionamento do motor único da economia, representado hoje pelo sistema financeiro e quando se dá a difusão da informação em escala mundial e em tempo real, tudo isso precisa ser incorporado às discussões sobre o futuro não apenas das metrópoles, mas do mundo.

No entanto, essa reunião recentemente realizada em São Paulo também se enveredou pelas formulações técnicas quando a nova racionalidade e os problemas do mundo – destacando-se os metropolitanos – exigem um novo pensar, urgentemente.

Desculpe-me o colega urbanista coordenador da reunião que afirmou que o grande problema da metrópole é o trânsito. Não! O grande problema das grandes metrópoles do mundo pobre não é o trânsito. É a desigualdade, é a pobreza, é a indigência e é a violência praticada por uns e outros. Uns, o Estado. Outros, os criminosos irrecuperáveis. Esta é a discussão central. O trânsito é um dos problemas da sofrida população de São Paulo.

Disso decorre nossa ousadia em propor a realização de Pactos Territoriais. Não há espaço aqui e nem é o objetivo deste artigo formular ou expor teorias novas sobre a metrópole, com base no conhecimento do território usado, território praticado, território da existência.

São Paulo é uma metrópole pobre – sim pobre -, com usos desiguais do território na perspectiva de oferecer aos cidadãos – todos – em seu lugar de vida, tudo aquilo que necessita para efetivamente viver.
As imensas periferias de São Paulo são as que conhecem o maior aumento populacional: um crescimento da população idosa e das crianças são as que conhecem as altas taxas de mortalidades de jovens de 15 a 29 anos pelos processos de violência e chacinas praticadas especialmente por “uns” – eis aí a questão fundamental.

É preciso cuidar do uso do território pelos equipamentos e serviços de consumo coletivo distribuindo-os pela cidade a partir de pactos territoriais, onde todas as classes, mescladas, possam viver bem, ter acesso aos benefícios que a vida moderna proporciona. Há necessidade de se aprender a viver na diversidade!

Por isso, imaginamos a construção de Pactos Territoriais em oito áreas da cidade, que se configurariam como verdadeiras cidades novas, onde todos, ricos e pobres compartilhariam e usufruiriam o bem estar, na prática da urbanidade. Não há solução para a construção do mundo novo fora do aprendizado da convivência no diverso. A metrópole é esse lugar!

Esta prática dos Pactos Territoriais substituiria o velho produto da gestão setorial, baseada em negócios, na economia, feito sem a Politica como respaldo, mas que caracteriza o urbanismo contemporâneo. O pacto e o tão recorrente “choque de gestão” se resumem na afinação dos negócios imensos que a cidade propicia. Mas estão fora deles os pobres!

Além disso os pactos territoriais permitem a aprendizagem da convivência no diverso que caracteriza o tempo presente. Não as fobias de toda ordem que aparecem aqui e ali contrariando os novos rumos da Historia, com a emergência do seu Período Popular.
As práticas de homogeneização dos usos do território propaladas pelas velhas teorias urbanísticas não deram conta de resolver os problemas da cidade. Espaço e Sociedade são sinônimos. Se a sociedade vai mal, o espaço ou território usado torna-se um obstáculo ao aprimoramento do convívio social, pois ele é o reflexo da intolerância social, do egoísmo e do consumismo que caracteriza a sociedade contemporânea. Poucos com muito e muitos sem nada!

Somente reconhecendo que o uso do território de forma mais justa – atendendo aos reclamos sociais de uso por creches, hospitais, centros de saúde, casas de cultura, emprego, habitação popular e tudo o mais que a sociedade moderna oferece e requer para sua dinâmica e funcionamento – poderá tirar a metrópole da enorme enrascada em que está metida. Eis o PACTO TERRITORIAL: tudo lá onde as pessoas vivem e constroem seus laços sociais e de convívio.

É preciso assimilar que o lugar ali onde a vida das pessoas se dá é o espaço do acontecer solidário. Fora disso, dos lugares das pessoas, não há a possibilidade nem do nascimento, nem da prática da verdadeira Política, construtora da polis.

Dificilmente apenas a gestão, por melhor que seja ou queira ser hoje, organizada setorialmente, sem incorporar o conceito de território usado, considerando-o como uma totalidade a serviço de cada individuo, de cada cidadão, dará conta do recado.

Temos gestão, mas não temos uma política explicita que fundamente as ações gerenciadas para a metrópole. Não quero aqui dizer que temos um projeto para a metrópole como um todo. Isso tentamos fazer para a candidatura do PMDB, quando fomos convidados para realizar esse exercício complexo e difícil que é pensar um Plano de Governo para a cidade de São Paulo, em 2012. Mas uma campanha eleitoral formula discursos, não discute teses acadêmicas. Não há tempo. Mas a proposta ai está e merece ser conhecida e discutida!

O território usado requer outra prática política, não administrativa como são as subprefeituras na cidade de São Paulo: a verdadeira descentralização é também a outorga de poder. Aqui mais uma vez as tecnologias da informação precisarão estar presentes na construção de um tipo de governo democrático, sem manipulações, competente tecnicamente, realizando-se nas distintas regiões da cidade.

Fragmentar o território é constituir uma federação de lugares onde os sujeitos importantes são os cidadãos governando a cidade de fato, dividindo responsabilidades, compartilhando benefícios.
A Gestão sem política que a regule, transforma a Política em migalhas como nos ensina Edgar Morin, em seu magnifico livro Política de Civilização.

Novos pactos já estão sendo realizados e requeridos e o mais importante e libertário deles é o pacto territorial, que permite o direito de acesso a tudo, inclusive ao próprio território de vida.
As tecnologias, já as temos e muitas estão disponíveis! Aprimorá-las é fundamental, mas não é o mais urgente.

Urgente é enfrentar o acelerado processo de desigualdade sócio espacial que penaliza milhões de brasileiros que vivem em São Paulo.
É preciso ser criativo, audacioso, correto e ético para encarar os problemas das metrópoles pobres do mundo. E, acima de tudo ter coragem de enfrentá-los.

A maioria na polis hoje é constituída de pobres, cada vez mais politizados pela difusão da informação pelas tecnologias disponíveis. O mundo mudou, a vida mudou e a metrópole também mudou.