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PEC do conflito, do retrocesso e do extermínio

No último dia 29 de agosto, o indígena Simião Vilhalva Guarani Kaiowá foi brutalmente assassinado no município de Antônio João, no Estado do Mato Grosso do Sul, em conflito com milícia rural. Seis dias depois, houve novo confronto envolvendo indígenas que ocupavam suas terras ancestrais e fazendeiros armados, desta vez no município de Douradina, no mesmo Estado.

Estes são os exemplos mais recentes de uma guerra longa, silenciosa e intensa entre povos indígenas sem terras e fazendeiros com terras.

Segundo o Conselho Indigenista Missionário, CIMI, 138 indígenas foram assassinados no Brasil por conflitos por terra em 2014 –130% a mais do que no ano anterior. A violência também atinge a fazendeiros e agentes do Estado, como funcionários da FUNAI, policiais estaduais e federais. Ninguém ganha com esta situação. Existe urgência na resolução de conflitos no campo.

Ignorando este cenário, deputados ruralistas insistem em votar a Proposta de Emenda Constitucional 215 de 2000. Dentre outras mudanças constitucionais, esta PEC transferirá na prática a competência da demarcação de terras indígenas e quilombolas para o Congresso Nacional, retirando a exclusividade do Poder Executivo para esta tarefa.

Além do conteúdo flagrantemente inconstitucional desta PEC, sua simples tramitação já é nociva ao ambiente tenso visto no campo e a politização dos processos democráticos que criaram, certamente, mais tensões conflitivas com graves consequências a indígenas, como à sociedade, em geral.

Juristas reconhecidos como Dalmo Dallari, professor de Direito da Universidade de São Paulo, e Carlos Marés, professor de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, defendem que a PEC 215 fere a Constituição Federal no que diz respeito à separação de poderes.

Além disso, a proposta abre espaço para outra inconstitucionalidade, que é o não reconhecimento do “direito originário” dos povos indígenas. Além disso, o Ministro da Justiça já alertou para a possibilidade desta PEC ser questionada no Supremo Tribunal Federal, o que paralisaria processos demarcatórios por muitos anos.

Deputados favoráveis à aprovação da PEC 215 argumentam que indígenas têm muita terra. Ao longo dos últimos anos, os ruralistas investiram esforços em construir uma narrativa que aponta (inegáveis) falhas no atendimento básico às comunidades indígenas, e sugere soluções que passam pela assimilação dos índios por não-índios –uma violenta aculturação de indígenas. Nesta lógica, retira-se destes povos o direito à terra e território já reconhecido no Art 231 da Constituição Federal de 1988.

Tal narrativa está diretamente conectada com a morte de Simião Vilhalva, e com a morte de muitos outros indígenas. A esperança de fazendeiros de acabar com processos demarcatórios é fator que motiva a disputa por terras, e não deve ser alimentada.

Por outro lado, a morosidade insuportável para a homologação final de terras indígenas leva os povos originários a buscarem seus direitos com as próprias mãos. No confronto entre arco-e-flecha e armas de fogo, sabe-se quem leva a melhor.

Não é trivial a solução dos conflitos fundiários entre fazendeiros e indígenas. Ocupantes de boa fé, motivados pela sanha Estatal de expandir a colonização e a produção agropecuária no interior do Brasil, misturam-se a grileiros que roubaram por décadas milhões de hectares em terras públicas.

É preciso separar estes dois tipos de ocupantes de terras indígenas, garantindo a justa indenização para os primeiros, e a justa punição para os últimos. Este é um debate contido em outra PEC, de número 132 de 2011 (antiga PEC 71/2011), que abre a possibilidade de indenização de ocupantes de boa fé pela terra nua, além das benfeitorias já previstas atualmente na Constituição.

Além disso, o Ministério da Justiça, ainda que tardiamente, editou portaria criando grupo de trabalho para a resolução de conflitos agrários em terras indígenas, proposta apresentada por este parlamentar nos debates dentro da Comissão da PEC 215.

Neste grupo, dialogariam diretamente entidades representativas de produtores rurais e comunidades indígenas afetadas, além de agentes do Estado. Tanto esse GT quanto a PEC 132/2011 buscam saídas para o problema. Outra proposta que apresentei e que pode ajudar na busca de solução é a criação de uma comissão permanente no âmbito do Congresso Nacional com vistas a mediar conflitos democraticamente.

A PEC 215, por outro lado, é a PEC do conflito. Ela não garante os direitos constitucionais aos povos indígenas nem soluciona impasses para os ocupantes de terras de boa fé. Derrotar a PEC 215 significa defender os direitos indígenas e a soberania nacional. Retirar esta proposta de tramitação é apostar na paz social, nos avanços democráticos e no desenvolvimento econômico com justiça social e equilíbrio ecológico.

EDMILSON RODRIGUES, 58, é deputado federal (PSOL-PA) e membro da Comissão Especial da PEC 215

(Artigo publicado no jornal Folha de São Paulo, de 22 de outubro de 2015).