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Pará tem 4 mil carros desviados de órgãos Públicos

Os dois inquéritos policiais abertos, um militar e outro civil, que apuram desvios de veículos pertencentes ao Estado – um esquema criminoso que usava supostas doações a entidades sociais, como a Fundação Pestallozzi, o Instituto Arca de Noé e outros, mas que na verdade se destinavam a beneficiar um grupo de pessoas – estimam que cerca de 4 mil automóveis, camionetes e viaturas policiais foram embarcados em carretas e vendidos fora do Pará. O prejuízo aos cofres públicos alcançaria, por baixo, R$ 15 milhões. Há quinze dias, o promotor militar Armando Brasil Teixeira denunciou a coronel da Polícia Militar Ruth Léa Costa Guimarães e o sargento Raimundo Nonato Sousa de Lima, acusados de ativa participação no esquema, que era comandado, fora dos quartéis, pelo empresário e corretor de veículos Nicanor Joaquim da Silva.

Gravações telefônicas com autorização judicial mostram como o esquema operava e quem dele auferia benefícios financeiros às custas da venda de bens públicos. Consta nos autos que Nicanor subornava servidores públicos para agilizar e direcionar doações, além de incluir veículos em bom estado na lista de bens inservíveis a serem doados.

Em depoimento, Ramon Rodrigo Rolim expõe como Nicanor adquiria as viaturas da PM. O comandante da corporação localizava veículos parados no interior do Estado e emitia documento endereçado ao próprio Nicanor para receber as viaturas e trazê-las a Belém, a fim de ser reparadas. Porém, as viaturas não eram trazidas à capital nem retornavam ao interior: eram vendidas para Nicanor e embarcadas para São Paulo.

Rolim informa que José Henrique Pereira, na casa de quem a polícia encontrou vários documentos de veículos que pertenciam a órgãos públicos, dizia que Nicanor pagava comandantes da PM para conseguir que veículos em bom estado fossem inseridos em lista de bens inservíveis a ser doados. Reafirmou que o próprio Henrique vendeu uma S10 cabine dupla para dar o dinheiro a Nicanor para que este pagasse os comandantes da PM e três viaturas da Rotam fossem incluídas na lista. Uma delas seria de Henrique.

Ele declarou ainda ter visto por várias vezes um automóvel Honda Civic estacionado na garagem da casa de Nicanor. E Henrique disse que o carro pertenceria à mulher ou namorada de Nicanor, que seria, inclusive, PM de alta patente. Ouviu também comentários de que Nicanor continuaria adquirindo veículos, todos da PM, e que esses carros estavam sendo retirados sem qualquer doação.

Nesse caso, a situação é mais grave. Nicanor retirava as viaturas da PM com a autorização dos comandantes gerais desde 2006. Buscando fortalecer esses indícios, a Divisão de Investigações e Operações Especiais (Dioe) e a Delegacia de Ordem Tributária (DOT) pediram à justiça a interceptação telefônica dos principais suspeitos.

COMANDANTES

Com isso, ficou comprovado que Nicanor arrecadava veículos da PM até mesmo sem a realização de doações a entidades filantrópicas e enviava a maioria para São Paulo, onde eram vendidos para Edgar Alves de Oliveira. O promotor Armando Brasil observa que Nicanor conseguia agir dessa forma graças ao que chama de “permissividade de oficiais superiores do alto comando da PM, com a participação e operacionalização ilegal dos denunciados, a coronel Ruth Léa Costa Guimarães, diretora de Apoio Logístico, o sargento Raimundo Nonato Souza de Lima, lotado no Centro de Suprimento de Manutenção (CSM), setor subordinado à diretoria de Apoio Logístico, e dos comandantes dos batalhões da PM de Abaetetuba, Altamira, Bragança, Castanhal, Capanema, Cametá, Marabá, Paragominas, Parauapebas, Redenção e Xinguara”.

Para o promotor, os comandantes pelo menos deveriam, antes de entregar as viaturas para estranhos à administração pública, solicitar ao seu comandante-geral ou ao Departamento de Apoio Logístico (DAL), que comissão de avaliação fosse aos batalhões para avaliar as viaturas consideradas inservíveis. E mais: somente após as assinaturas de doação a unidade de patrimônio procederia a entrega dos bens ao representante legal da entidade donatária e, posteriormente, efetivaria a baixa dos bens de seu acervo patrimonial.

O DIÁRIO tentou localizar a coronel Ruth Léa e o sargento Lima para comentarem a denúncia do Ministério Público Militar, mas ambos não foram localizados. A PM também evitou comentar o caso. Apenas informou que a coronel não está mais no serviço ativo, enquanto o sargento se encontra afastado da função.

Em conversas no dia 24 de outubro de 2012, Nicanor fala para Edgar que estava em Bragança, na companhia do capitão, e logo em seguida diz que conseguiu quatro camionetes, três Paratis e um Astra. Nicanor também deixa bem claro que as Paratis estavam todas funcionando, conforme gravação telefônica. Cinco dias depois, no dia 29, em outra ligação: Nicanor conversa com o major Denis do Socorro Gonçalves do Espírito Santos, subcomandante do 19º Batalhão da PM em Paragominas.

Ele informa que o caminhão que fará o carregamento das viaturas chegará às 5h e pede para o major Denis deixar os documentos dos veículos com alguém. Já em 1° de novembro, por telefone, Nicanor fala a Márcia, sua atual mulher, que em Paragominas “o que mais tem é carro”.

Tudo isso estava ocorrendo, segundo o Ministério Público Militar, devido ao relacionamento de Nicanor com a coronel Ruth Léa, pois em conversa gravada no dia 24 de outubro ambos falam sobre uma transação bancária na Caixa Econômica Federal. A coronel pede para que ele deposite R$ 2 mil no banco Itaú. Em outra ligação, no dia 7 de novembro, a coronel mostra preocupação com a investigação feita pela Divisão de Investigação e Operações Especiais (Dioe) e pela Delegacia de Ordem Tributária (Dot), de que seu nome seja citado por Zélia – ex-mulher de Nicanor – na polícia. Foi anexado aos autos uma mensagem enviada pela coronel no dia 29 de outubro a Nicanor, onde pede para ele pagar o Honda Civic.

A equipe de investigação encontrou uma consulta feita em 2012 por Ruth Léa ao Tribunal Regional Eleitoral sobre a possibilidade de doações de bens inservíveis em ano eleitoral. Ocorre que mesmo com a proibição de doações em tempo de eleição, Nicanor continuava adquirindo veículos do Pará, mais precisamente da PM, e de forma muito mais ousada, pois as viaturas lhes eram entregues diretamente. Ou seja:, era a pura comercialização de bens públicos.

Está claro também, afirma a promotoria militar, o envolvimento do sargento Raimundo Nonato Lima no caso. No dia 9 de outubro, Nicanor liga para o sargento e pede para que vá ao banco apanhar o dinheiro. Nicanor diz que lhe entregará R$ 5 mil e mais R$ 5 mil no dia seguinte. Em gravação dia 31 de outubro, Nicanor pergunta se Lima está trabalhando e este responde que está esperando uma autorização de uma das viaturas do interior e informa que o chefe “tá viajando”. Nicanor quer saber para onde seria a autorização, mas Lima não sabe responder. Nicanor pede que ele verifique o “negócio”, que depois liga novamente.

“Fica claro [diz a denúncia] que o sargento Lima estaria obtendo, para si ou para outrem, promessa de vantagem, a pretexto de influir em militar ou assemelhado, ou funcionário de repartição militar, no exercício de sua função. Durante a prorrogação da interceptação telefônica, quando foi pedida a inclusão do telefone utilizado pelo sargento Lima, “ficou bastante clara a relação de corrupção existente entre eles”.

No 4 de dezembro, Nicanor diz ter interesse em apanhar alguns veículos em Parauapebas, mas para isso seria preciso primeiro proceder a baixa dos carros, o que é feito no Centro de Suprimento e Manutenção (CSM). Na ligação, o sargento Lima promete “desenrolar” e levar a lista dos carros para o diretor do CSM assinar. Lima, pede, no dia 6, que Nicanor lhe dê a lista dos veículos que ele retirou para fazer a baixa patrimonial.

No dia seguinte, Nicanor pergunta sobre Parauapebas. Lima diz que já entregou a lista e que o ofício “está na mão dele”- o chefe do CSM. As investigações detectaram mensagens trocadas via SMS entre o major Alexandre Mascarenhas dos Santos, sub-diretor da Diretoria de Apoio Logístico – setor chefiado pela coronel Ruth Léa – e Nicanor. Para a Dioe, as mensagens indicam envolvimento do oficial no esquema.

Corretor tinha livre acesso a comando da PM

As investigações apontam que Nicanor esteve pessoalmente em Bragança, Paragominas, Altamira e planejava ir para Parauapebas. Em Altamira, a Dioe fotografou veículos sendo carregados em “cegonhas” (carretas). Para seguir o trajeto desses veículos até o destino, a polícia colocou um aparelho de GPS em alguns carros. Descobriu-se que as viaturas foram descarregadas em São José do Rio Preto (SP). As investigações provam que Nicanor arrecadou veículos em diversas cidades do interior e que esses bens públicos lhes eram entregues diretamente.

Se antes ele utilizava entidades sociais e filantrópicas como testas de ferro para esse fim, a partir daí, passou a agir em nome próprio, “entrando nos quartéis da PM e corrompendo militares que desviaram patrimônio público em troca de alguma vantagem, cometendo os crimes de peculato-desvio e corrupção passiva”, ressalta o MPM. A investigação concluiu que Nicanor contou com a participação decisiva da coronel Ruth Léa no esquema.

“Ele frequentava o quartel do comando-geral da PM, onde funciona a DAL, tendo ambos conversas descontraídas. Nicanor prestava favores à coronel, pagando a prestação do Honda Civic dela, além de passagens aéreas e embarque de sua Nissan Frontier para Minas Gerais, onde ela pretendia passar férias”. Consta nos autos que existe um negócio bancário na Caixa Econômica Federal envolvendo a coronel e Nicanor. Trata-se do financiamento de um galpão que estaria no nome da coronel, mas que na verdade seria de Nicanor, que pretendia arrecadar, no começo de 2013, segundo ele próprio revelaria em conversa interceptada por ordem judicial, 600 veículos de um só lugar. Nessa conversa, ele fala com Edgar Alves de Oliveira. Outras pessoas ligadas ao corretor também arrecadam veículos da PM, diz o inquérito. Rogério Baena da Silva e Francisco Alves, o “Chicão”, fariam parte da rede criminosa.

Em conversa gravada dia 06 de dezembro de 2012, dias antes da prisão dos denunciados pelo promotor militar Armando Brasil, eles mencionam que Nicanor estava esperando um ‘start’ (sinal) de um coronel para liberar os lotes e mandar as camionetes. “Chicão” diz na ligação que já foi inclusive a quartéis da PM no sul do Pará e sabe como funciona tudo. E afirma que tem dez camionetes para receber em Belém com Nicanor.

Fonte: Diário do Pará