edmilsonPSOL

Cópia de image00034

Repúdio à sentença de juiz federal que discriminou religiões de matriz afro-brasileiras

Senhor Presidente,
Senhores Deputados,
Senhoras Deputadas,

Na semana passada fomos surpreendidos por uma decisão judicial da Justiça Federal do Rio de Janeiro divulgada pela imprensa e que definiu que Umbanda e Candomblé “não são religiões”. A afirmação do juiz Eugenio Rosa de Araújo, da 17ª Vara Federal do Rio, foi feita em decisão na qual negou ao Ministério Público Federal (MPF) a solicitação ao Google que retirasse vídeos do Youtube de cultos evangélicos neopentecostais que promovem a discriminação e intolerância contra as religiões de matriz africana e seus adeptos. Um dos vídeos mostra a entrevista de um “ex-macumbeiro, hoje liberto pelo poder de Deus”.

O juiz Eugênio Rosa de Araújo afirmou na sentença que Umbanda e Candomblé “não contêm os traços necessários de uma religião, a saber, um texto base (corão, bíblia etc), ausência de estrutura hierárquica e ausência de um Deus a ser venerado”. O MPF já recorreu da decisão e em sua página oficial na internet critica que “ao invés de conceder a tutela jurisdicional adequada, diante das graves violações que estão ocorrendo, a decisão excluiu do âmbito de proteção judicial grupos e consciências religiosas, ferindo assim, por exemplo, a Declaração Universal dos Direitos Humanos (…) e a Constituição Federal”.

Ora, o Código Penal Brasileiro, em seu artigo 208, estabelece como conduta criminosa, “escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa; impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso; vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso”. E é baseado nesse artigo e nas garantias constitucionais de liberdade de expressão, religião e culto que o MPF baseia seu pedido para evitar a violação desses direitos humanos que são tão caros à manutenção da nossa democracia.

Chama a atenção o fato de a Justiça Federal ignorar que religiões de matriz africana são fundadas nos princípios da transmissão oral do conhecimento, do tempo circular, e do culto aos ancestrais. Além disso, ao afirmar que Candomblé e Umbanda deveriam venerar a uma só divindade suprema e ter uma estrutura hierárquica a justiça federal atualiza um discurso que está inscrito em uma rede de memória que remonta ao século XVI, período em que os colonizadores afirmavam que os indígenas e povos africanos não tinham fé e não tinham lei ou mesmo um rei.

Com essa decisão a Justiça Federal está ferindo dispositivos constitucionais e legais. Além disso, viola tratados internacionais como a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, conhecida como Pacto de San Jose da Costa Rica, ratificada pelo Brasil em 1992 e que dispõe sobre a garantia de não discriminação por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social. Ou seja, ao ratificar esse Pacto, o Brasil assumiu desde 1992 o papel de um país que tem a obrigação de respeitar direitos.

Já foi noticiado pela imprensa também que o Ministério Público Federal recorreu dessa decisão, mas esse parlamento precisa ficar atento a essas ações que perseguem, acuam e tentam destruir as religiões de matriz afro-brasileira. Não podemos aceitar atitudes que pregam o ódio, a intolerância e a opressão a quem quer que seja, sobretudo se partirem do poder judiciário que deveria promover as garantias de direitos ao povo.

Não podemos nos calar diante de ações que violam os direitos a prática de reuniões livremente para realizar cultos de qualquer denominação – um direito individual e coletivo previsto na Constituição Federal, artigo 5º, inciso VI. O ataque à umbanda e ao candomblé é também é um ataque de viés racista por se tratar de religiões praticadas principalmente por pobres e negros desse país.

Nesse sentido, nos termos regimentais, REQUEIRO votos de repúdio à decisão do juiz Eugenio Rosa de Araújo, da 17ª Vara Federal do Rio de Janeiro, que não reconhece a Umbanda e o Candomblé como religiões, ferindo dispositivos constitucionais e reforçando o preconceito e o ódio com as religiões de matriz afro-brasileira e reforçando também o racismo. E ressaltamos também que o que se espera do Judiciário é o mínimo de justiça que possa colocar freios à intolerância e que seja assegurada a pluralidade religiosa pautada no respeito e sem hierarquias entre as religiões.

Solicito que seja dado conhecimento do teor integral deste documento a todos os movimentos negros de nosso Estado, assim como ao Ministério Público Federal (MPF) no Pará, Justiça Federal no Pará, Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Pará (OAB-PA), Instituto Nacional da Tradição e Cultura Afro-Brasileira (Intecab-Pará) e Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH).

Palácio Cabanagem, 20 de Maio de 2014.

Edmilson Brito Rodrigues
Líder do PSOL