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Índios Tembé enfrentam o abandono do poder público

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Edmilson Rodrigues em reunião na Aldeia Teko-haw

Postos de saúde sem medicamentos, educação indígena executada de forma precária e 160 quilômetros de estrada de terra cheias de buraco e em péssimas condições são alguns dos muitos problemas enfrentados pelos índios Tembé Tenetehara, no Alto Rio Guamá. Essas foram algumas das constatações feitas in loco pelo deputado estadual Edmilson Rodrigues (PSOL), durante visita realizada nesta quarta e quinta-feira, 23 e 24, a quatro aldeias da etnia, que ficam a 160 quilômetros de Paragominas. Edmilson foi oúnico parlamentar a representar a Assembleia Legislativa do Estado do Pará (Alepa) na comissão externa criada pela casa, em dezembro do ano passado, à unanimidade, para visitar os índios Tembé e conhecer de perto as dificuldades enfrentadas por eles. Durante a visita, ele se comprometeu em organizar – com a participação dos indígenas – uma sessão especial, em Belém, em fevereiro, para discutir os problemas e buscar soluções junto a representantes de vários órgãos ligados a questão indígena. As aldeias visitadas foram: Cajueiro, Teko-Haw, Canindé e Ikatu.

Como os problemas enfrentados pelos tembés são graves, Edmilson propôs algumas ações emergenciais para serem executadas antes da realização da sessão especial. São elas: reunião com a Eletronorte e a Celpa para discutir a execução de um projeto e instalação de energia elétrica nas aldeias, através do programa ‘Luz para todos’, já que a maioria utiliza gerador movido a óleo diesel, e ainda uma reunião com representantes do Ministério da Saúde, Cesai, Funai e Ministério Público Federal (MPF) para tentar resolver o problema das péssimas condições do atendimento de saúde prestado aos indígenas. “A ideia é que nessas reuniões consigamos encaminhar algumas soluções, de forma emergencial, para conseguir atendimento médico digno aos tembés”, explicou Edmilson, que a partir da semana que vem começará a articular a realização das reuniões. Lideranças indígenas serão convocadas para vir a Belém participar das duas reuniões.

As primeiras constatações de abandono foram vistas logo no início da viagem, ao trafegar pela estrada de terra de 160 quilômetros que dá acesso às aldeias, saindo de Paragominas. Sem asfaltamento, iluminação pública e cheia de buracos e lama, há trechos com depressões tão intensas que são completamente intrafegáveis por carros pequenos. Além disso, o trecho que poderia ser feito em apenas duas horas (caso a via fosse pavimentada) foi percorrido em mais de cinco horas pelo deputado e sua equipe de assessoria técnica. “Em períodos mais chuvosos, a gente gasta até oito horas e tem vezes que ficamos isolados porque o rio enche muito e transborda, não dando para passar. O pior de tudo é quando estamos descendo com índios que estão doentes para buscar atendimento médico em Paragominas porque o nosso sofrimento só aumenta”, disse Sérgio Muxi Tembé, liderança da aldeia Teko-Haw. Além disso, como a estrada é cercada pela mata, muitas árvores caem na pista, dificultando ainda mais o trajeto. No primeiro dia da visita, um poste também caiu e a aldeia Cajueiro ficou sem energia elétrica.

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Edmilson Rodrigues na Casa de Saúde do Índio.

Ao chegar na primeira aldeia, a Cajueiro, mais problemas foram vistos e ouvidos dos próprios indígenas. A falta de medicamentos foi logo denunciada e mostrada por eles. No posto de saúde não há quase nenhum medicamento e nem material para fazer um simples curativo. A realidade não é diferente, na sede da Casa de Apoio a Saúde indígena (Casai), em Paragominas. Edmilson também esteve lá, antes de pegar a estrada para as aldeias. Lá, os armários de remédios estão quase vazios em contraposição com o espaço para os índios atarem suas redes para receberem o atendimento, que estava lotado. Dores de cabeça, dores pelo corpo, febre e diagnósticos ainda não definidos estão na lista dos problemas de saúde apresentados pelos índios que estão em atendimento. “Nós somos três enfermeiras atuando, aqui, sendo uma por plantão e temos pouca medicação. Poucos analgésicos, xaropes e vitaminas”, disse a enfermeira maranhense Talita Luiz, de 23 anos, que trabalha na Casai há pouco menos de um ano.

No entanto, a situação mais grave está mesmo na aldeia Canindé, localizada a cerca de 40 minutos de voadeira da aldeia Teko-Haw. Lá, o posto de saúde da aldeia está totalmente abandonado, virou abrigo de morcegos. Há fezes de animais por toda parte. Diante da falta de condições, o prédio está fechado e o pouco atendimento ainda existente é feito nas instalações da escola da aldeia. “Eu estou fazendo atendimento na escola, mas não temos medicamentos. Não há material para fazer nem um simples curativo, caso algum índio se corte nas atividades de roça, artesanato ou de caça”, disse o enfermeiro Alessandro Botelho da Silva, de 32 anos, que mora em Belém e passa 20 dias do mês, trabalhando na aldeia. O enfermeiro também usa o alojamento da escola para ficar durante o período de trabalho.

Edmilson em posto de saúde na Aldeia Canindé.
Edmilson em posto de saúde na Aldeia Canindé.

A situação de abandono dos índios é grande. Edmilson criticou bastante a atuação do poder público e a falta de compromisso com o povo. “É inadmissível que os índios estejam nessa situação de abandono. A impressão que se tem é que parece que querem que eles morram, que sejam exterminados”, disse o deputado, que é autor do livro “Tembé-Tenetehara: a nação resiste”. A publicação “Tembé-Tenetehara: a nação resiste” (Assembleia Legislativa do Pará, 1994) foi o ponto alto de meses de trabalho da Comissão Especial de Estudos criada para analisar a dramática situação do povo Tembé-tenetehara e a luta pela demarcação de suas terras ancestrais. A iniciativa da Comissão foi de Edmilson Rodrigues, a quem coube a relatoria dos trabalhos, além da arte da capa.

Conflito pela terra
No meio de tanto abandono e exclusão, um problema é destacado pelos Tembés como sendo o maior enfrentado por eles: a intrusão de posseiros e madeireiros em suas reservas. No final do ano passado o índio Valdeci Tembé, liderança da aldeia Teko-Haw teve que se embrenhar na mata e ficou perdido durante três dias para não ser morto. Ele participou de uma ação de apreensão de madeira ilegal extraída de suas terras junto com agentes do Ibama e foram atacados por posseiros. “Os agentes do Ibama foram bastante agredidos e eu fugi pra mata e fiquei perdido lá três dias até chegar a aldeia”, disse Valdeci, que revela estar bastante preocupado com a situação na região. “Não temos paz, não podemos mais nem ser índios e caçar, pescar, fazer nossas festas, porque temos que ficar lutando com os intrusos que estão invadindo nossas terras”, disse o indígena que, como liderança da região, tem que se deslocar várias vezes no ano para Belém em busca de ajuda para colocar um fim no conflito.

DSC08415 (800x600)A desintrusão da reserva é uma bandeira de luta antiga dos índios que sempre estiveram tendo que enfrentar o problema da invasão de suas terras por madeireiros e posseiros. Em 2002, a comunidade indígena de Teko-Haw conseguiu a homologação da desintrusão de suas terras, mas até hoje isso não ocorreu na prática e o clima na região é tenso. Na estrada da aldeia para Paragominas, Edmilson ouviu vários relatos de que há plantação de maconha, além da ação de traficantes e até de assaltos em vicinais dessa estrada maior que liga o município às aldeias. “Nós estamos sofrendo muita pressão, precisamos de paz para plantar, caçar, pescar, fazer nossas festas. Mas não estamos podendo fazer nada, nem mesmo sermos índios porque temos que ficar o tempo todo, tentando impedir que invadam cada vez mais nossas terras, além de ter que ficar indo em Belém para buscar ajuda dos órgãos para resolver isso”, disse Valdeci.

Liderança da aldeia Canindé, Valdivino Tembé ressaltou que é preciso que algo seja feito para evitar conflitos ainda maiores. “Essa questão da intrusão das nossas áreas é muito grave. A gente sofre muito com isso. Nós somos povo brasileiro, não somos estrangeiro. Precisamos ser respeitados porque temos o direito de ter nossas terras e vivermos em paz nela”, enfatizou Valdivino. O deputado Edmilson também destacou. “Japoneses, portugueses, libaneses e vários outros povos vêm para nosso país e são respeitados. Reportagem recente na TV mostrou um município no Sul do Brasil que a população é toda de alemães, cujo idioma principal é o alemão e são respeitados. Em relação a esses povos ninguém diz que eles têm muita terra para poucas pessoas, mas dizem que ‘é muita terra para pouco índio’, o que é, além de um preconceito, uma falta de respeito muito grande”, disse Edmilson.

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Educação indígena
Outra reivindicação feita pelos tembés nas quatro aldeias visitadas foi em relação à educação indígena. De acordo com as lideranças indígenas, embora já esteja “no papel” ainda não está sendo executada de forma correta. Ao todo, na região existem 510 indígenas estudando no ensino fundamental e médio. Todo o ensino fundamental já está municipalizado e nas aldeias há instalações para o funcionamento dessa etapa educacional. Ocorre que o ensino médio, que é estadual, está com problemas ainda maiores. Apenas na aldeia Caujueiro já está sendo construído o prédio para funcionamento das salas de aula do ensino médio. Nas demais, são usadas as instalações físicas municipais.

Os problemas, porém, vão além disso. Os indígenas reivindicam que os próprios indígenas sejam professores. Já existem alguns deles atuando como professores, mas ainda há muito a avançar. Valdeci Tembé destaca, por exemplo, que há muita rotatividade de professores, além de um problema de formação precária para atuar no campo da educação indígena. Outro aspecto destacado por Valdivino Tembé é o fato de que eles têm indígenas que já concluíram o ensino médio e tiveram que parar de estudar porque não está sendo viabilizado o ensino superior para que eles possam se preparar melhor para, inclusive, serem professores nas aldeias da etnia. “Um exemplo disso é que temos 12 alunos que concluíram há três anos o ensino médio e até agora não se teve nenhuma demonstração do poder público, no sentido de garantir o acesso deles ao ensino superior”, disse Valdivino Tembé, que propôs também que representantes da UEPA e da UFPA sejam convocados para a sessão especial da Alepa para discutir mais esse problema.

Licença e salário-maternidade para índias professoras
Mesmo o direito a licença e salário-maternidade já estando garantido há décadas no Brasil, as índias que atuam como professoras na rede municipal de Paragominas, ministrando aulas nas aldeias não estão tendo a sua garantia respeitada. Um exemplo disso é Sandra Tembé, que tem um filho de 9 meses, é professora da Semec de Paragominas e não recebeu salário-maternidade e nem teve o direito a licença. O deputado Edmilson Rodrigues reuniu informações sobre o caso e prometeu encaminhar o caso a sua equipe jurídica para que seja dada entrada em uma ação judicial para que esse erro seja reparado e a professora indígena, assim como todas as demais que já engravidaram e que vão engravidar daqui por diante tenham os seus direitos garantidos. “Meu filho já tem 9 meses e eu nunca recebi salário-maternidade e nem tive direito a licença”, disse Sandra Tembé. “Eu fui atrás disso lá na secretaria (Semec de Paragominas) e fui informada que nós não tínhamos direito a isso e, então, eu desisti de ir atrás de meu direito”, concluiu a professora indígena.