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Cacique Raoni e 45 povos indígenas lançam manifesto pela vida

Depois de quatro dias de reunião na aldeia Piaraçu, norte de Mato Grosso, mais de 600 lideranças indígenas do país finalizaram na sexta-feira (17/01) um documento com reivindicações para ser entregue ao presidente Jair Bolsonaro. Batizado como “Manifesto do Piaraçu das lideranças indígenas e caciques do Brasil”, o texto denuncia o projeto em curso do governo brasileiro de “genocídio, etnocídio e ecocídio”. “O atual presidente da República está ameaçando os nossos direitos, a nossa saúde, o nosso território”, diz o manifesto, numa referência às intenções de Bolsonaro de liberar a mineração, o agronegócio e o arrendamento das terras, com redação de projetos de lei em andamento.

Foto: Midia Ninja

MANIFESTO DO PIARAÇU – DAS LIDERANÇAS INDÍGENAS E CACIQUES DO BRASIL NA PIARACU  

Nós, representantes de 45 povos indígenas do Brasil, somando mais de 600 participantes, fomos convocados pelo cacique Raoni para nos reunirmos entre os dias 14 a 17 de janeiro de 2020 na aldeia Piaraçu (Terra Indígena Capoto Jarina), com o objetivo de juntar as nossas forças e denunciar que está em curso um projeto político do governo brasileiro de genocídio, etnocídio e ecocídio. 

O Estado brasileiro tem que entender que tem uma dívida histórica com os povos indígenas. Nós somos os primeiros habitantes desse nosso país. Não apenas defendemos o meio ambiente: somos a própria Natureza. Se matar o meio ambiente, está matando nós. Sempre queremos floresta em pé, não porque a floresta é bonita, mas porque todos esses seres que habitam a floresta fazem parte de nós e correm no nosso sangue. 

O Estado brasileiro reconhece os direitos indígenas pela Constituição Federal de 1988 nos artigos 231 e 232, na qual fizemos parte da construção, além de outras normas jurídicas nacionais e internacionais, como a convenção 169 da OIT, por isso exigimos que seja respeitado nosso direito à consulta livre, prévia e informada toda vez que sejam previstos projetos e decisões que possam nos impactar e ameaçar nossos territórios e modos de vida. 

Não precisamos destruir para produzir. Não podem vender as nossas riquezas, o dinheiro não paga por elas. O nosso território é muito rico, não de dinheiro, somos ricos de diversidade e toda essa floresta depende da nossa cultura para ficar em pé. O que vale para nós é a nossa terra. Isso vale mais do que a vida. E quem pode sustentar a natureza somos nós, que nunca destruímos ou poluímos o nosso rio. Nós cuidamos da nossa terra, sabemos o valor que ela tem. Precisamos proteger aquilo que nossos antepassados deixaram para nós. 

As ameaças e falas de ódio do atual governo estão promovendo a violência contra povos indígenas, o assassinato de nossas lideranças e a invasão de nossas terras. Hoje temos que nos preparar para enfrentar não só o governo mas, também reagir a violência de alguns setores da sociedade, que expressa de forma muito clara o racismo, simplesmente pelo fato de sermos indígenas.  As mulheres indígenas presentes no encontro, lideranças e guerreiras, geradoras e protetoras da vida, reafirmam sua luta contra as violações que afrontam seus corpos, espíritos e territórios. São as mulheres que garantem nossos modos de vida e nossa língua. Elas garantem nossa existência em nossa morada coletiva. Nós, mulheres e homens indígenas lutamos lado a lado pelo direito à terra que nos alimenta e que nos cura.

A juventude indígena presente nesse encontro reafirma o compromisso em dar continuidade à luta das lideranças em defesa das nossas vidas, nossos territórios e nosso direito de existir. Os conhecimentos e tradições que nossos avós nos ensinaram são a grande solução para as ameaças aos nossos povos e aos nossos territórios, e para a crise climática que vem chegando. Essa nova geração está pronta para levar as soluções que lhes foram ensinadas. 

Só nós podemos falar sobre nós e por nós mesmos. Não admitimos que nossos caciques sejam desrespeitados, assim como Bolsonaro fez em 2019 no seu discurso durante o encontro na ONU contra o cacique Raoni. Afirmamos que o Cacique Raoni é SIM a nossa liderança, ele nos representa! Ele será nossa referência, por sua luta firma e pacifica, de liderança: hoje e sempre. Por isso apoiamos sua candidatura como prêmio Nobel da Paz. Exigimos que o Congresso reconheça legalmente as autoridades indígenas como os primeiros governantes deste País. Nossas terras são governadas por nossos caciques, autoridades indígenas que decidem em favor das comunidades, pautadas a partir de reivindicações coletivas e não individuais. 

O atual presidente da república está ameaçando os nossos direitos, a nossa saúde, o nosso território. O governo atual está com plano de liberar a extração de minério e pecuária em nossos territórios. Somamos nossa força, nos unimos e mostramos nossa força nesse documento para continuar as nossas lutas que estão sendo seguidas por nossos netos. O governo atual está nos atacando, querendo tirar a terra de nossas mãos. Nós não aceitamos garimpo, mineração, agronegócio e arrendamento em nossas Terras, não aceitainos madeireiros, pescadores ilegais, hidrelétricas e outros empreendimentos, como Ferrogrão, que venham nos impactar de forma direta e irreversível.

Somos contra tudo aquilo que destrói nossas florestas e nossos rios. Não admitimos que o Brasil seja colocado à venda para outros países que tem interesse de explorar o nosso território. Queremos acima de tudo respeito às nossas vidas, nossas tradições, nossos costumes e à Constituição Federal, que resguarda nossos direitos. 

Escrevemos esse documento como um clamor, para que nós, povos indígenas, possamos ser escutados pelos três poderes da república, pela sociedade e pela comunidade internacional. 

Os processos de consulta têm que garantir nosso direito de falar NÃO às iniciativas do governo e do Congresso. As consultas devem respeitar nossas formas tradicionais de representação e organização política, assim como nossos protocolos autônomos de consulta e consentimento.  Deixamos claro que os indígenas que hoje ocupam cargos no governo federal sem a nossa participação na indicação dessas pessoas, e que apoiam de alguma forma o governo Bolsonaro, não nos representam. 

Exigimos o cumprimento do nosso direito originário sobre os nossos territórios por meio da demarcação e homologação das terras indígenas reivindicadas. Repudiamos a tese do marco temporal e demandamos que processos demarcatórios parados sejam imediatamente retomados, como Kapot Nhinore, antiga reivindicação do cacique Raoni. 

Somos contra a municipalização da saúde indígena e contra a indicação política partidária para os cargos na SESAI. Exigimos a autonomia politica, administrativa e financeira dos Distritos Sanitários Especiais’ Indígenas de Saúde – DSEI’s e o fortalecimento do controle social por meio da recriação do Fórum de Presidentes dos Conselhos Distritais de Saúde Indígena · CONDISI, extinto pelo Decreto 9.759/2019. Exigimos a garantia de uma força de trabalho qualificada e adequada para o nosso atendimento. 

Demandamos o cumprimento do Termo de Ajustamento de Conduta – TAC firmado entre o Ministério da Saúde, a FUNAI, a SESAI, a Defensoria Pública da União e o Ministério Público Federal, que garante a continuidade dos serviços ligados à política de saúde indígena. E exigimos a realização da 6a Conferência Nacional de Saúde Indígena. 

Exigimos o cumprimento da política indigenista de responsabilidade da FUNAI e SESAI para todos os povos e terras indígenas do Brasil, e não somente para as terras indígenas homologadas. 

Repudiamos a perseguição e a tentativa de criminalização das nossas lideranças, organizações indígenas e indigenistas, colaboradores e parceiros. 

Exigimos a garantia da integridade física e moral de nossas comunidades e lideranças e a punição daqueles que estão matando nossos parentes. 

Exigimos que o Estado brasileiro cumpra sua responsabilidade constitucional de proteger os territórios indígenas e o meio ambiente, coibindo atividades ilegais e punindo os criminosos. Também exigimos que o governo se responsabilize pelo envenenamento do ar, do solo e dos rios causado pelo uso irresponsável e descontrolado de agrotóxicos no entorno de nossas terras. 

Exigimos o cumprimento das politicas públicas de proteção dos povos isolados e de recente contato. 

Exigimos uma educação diferenciada e de qualidade para os nossos jovens, que possibilite que concluam sua formação, desde o ensino básico ao ensino médio, nos nossos territórios. Não aceitamos o sucateamento das universidades públicas e solicitamos a garantia da continuidade das bolsas para os jovens indígenas que vão estudar na cidade nas universidades. A formação universitária dos jovens é importante para dar continuidade à nossa luta. É um espaço que garante que estejamos preparados para as mudanças que nos ameaçam. Por isso, a juventude firmou a caneta nas mãos junto ao que tem sido ensinado pelos seus avós para lançar adiante a flecha que lhes foi dada, para continuar lutando. Estar na universidade só faz sentido se exercermos nossa espiritualidade. Nesse sentido pedimos que a sociedade brasileira se junte a nós na luta pelo acesso à universidade plural e democrática, por uma formação universitária que valorize e reconheça a ciência do território. 

Queremos políticas de fortalecimento a alternativas econômicas sustentáveis para nossos territórios, sem o uso de agrotóxicos, e que promovam a economia da Floresta em Pé, com ênfase na cultura, nos saberes tradicionais, no extrativismo e nas tecnologias limpas. 

Somos seres humanos, somos povos originários do Brasil. Nós somos parte do Brasil e o Brasil é parte de nós. Não aceitamos que falem que nossos territórios são muito grandes, porque isso nem se compara ao tamanho e força da nossa cultura e ao que temos contribuído para manter, não só as nossas vidas e modos de vida, como a vida de todos no planeta. Quem nasceu primeiro não foi o Brasil, fomos nós povos originários e nós fomos massacrados, mas continuamos a resistir para poder existir. 

Nós não estamos sozinhos. Neste grande encontro, declaramos a retomada da Aliança dos Povos das Florestas, que inclui a Caatinga, Pantanal, Cerrado, Mata Atlântica e Amazônia. Estaremos juntos defendendo a proteção dos nossos territórios. Essa luta não é apenas dos povos indígenas, mas de todos nós, é uma luta pela vida do planeta. 

Concluímos com a certeza que 2020 será um ano de muita luta, e convocamos todos os parentes e os parceiros dos Povos Indígenas no Brasil e no exterior, para um ano de muitas mobilizações, onde devemos estar presentes com a força e a energia de nossos ancestrais em Brasilia e nas ruas de todo o mundo. A Luta continua hoje e sempre de geração para geração! 

Aldeia Piaraçu, 17 de janeiro de 2020.